domingo, 28 de novembro de 2010

Estufado de Galinha | Vinha de Lordelo 2003

Há muito poucos pratos que me consigam dar mais prazer do que uma galinha velha, longamente estufada em vinho. Demora umas horas, mas o resultado final mais que vale a pena. E então se feita no púcaro de barro e no forno, é ouro sobre azul...

Esta era uma galinha velha cortada em pedaços. Ficou no púcaro de barro a marinar em cebola, alho, sal e pimenta preta, um pouco de massa de pimentão e vinho tinto a cobrir. Foi ao forno a 130º C durante umas quatro horas. Depois subi a temperatura do forno para os 170º C e deixei que o molho e a carne apurasse, regando e virando a carne. Levou cerca de mais duas horas até estar no ponto. Foi servida com um simples puré de batata feito com manteiga das Marinhas e aromatizado com um pouco de noz moscada e umas folhas de rúcola selvagem temperada com flor de sal e um fio de azeite, sem mais.  


Um prato como este merece sem dúvida, um vinho à altura. Um vinho de um dos produtores de topo do Douro, Domingos Alves de Sousa que em 2003 conseguiu pela primeira vez vinificar em separado as uvas da vinha mais velha da Quinta da Gaivosa, a centenária Vinha de Lordelo. Dois hectares e meio de vinha que deram cerca de três mil garrafas, o que será um dos rendimentos mais baixos do mercado (equivalente talvez apenas às vinhas velhas de Santa Maria, da Quinta de Foz de Arouce, com a diferença da Vinha de Lordelo estar no Douro). Um vinho de filigrana vendido a um preço a condizer (em 2005 custou € 60,00) e que só teve até agora, três edições (esta de 2003, tendo saído também em 2005 e 2007). Elegante e cheio de personalidade na prova de boca, com taninos finos, foi a apreciação de JPM no seu Guia de Vinhos de 2005. Com os cinco anos que leva de garrafa depois de sair para o mercado, está com uma cor mais aberta do que seria de esperar, muito macio e a parecer ter mais do que os sete anos. Por mim, teria-o melhor bebido há uns três ou quatro anos. O Quinta da Gaivosa 2003, que custava metade do preço, agora deve estar bem mais apetecível... 

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Quinta da Pellada | Quinta de Saes - Álvaro de Castro | Notas de um Jantar, by Gus

Notas de um jantar em Viseu unicamente com vinhos do Dão do produtor Álvaro de Castro... O mote foi o mítico Quinta da Pellada, Estágio Prolongado, 2000, que nunca havia provado.


 A partir desta escolha, o jantar foi um belo cabrito assado no forno e o alinhamento de vinhos foi este:

- Primus da Pellada, branco, 2007;
- Quinta de Saes, tinto, 2007;
- Quinta de Saes, reserva, Estágio Prolongado, 2007;
- Pape, 2007;
- Quinta de Saes, tinto, 2002;
- Quinta de Saes, tinto, 2001;
- Quinta da Pellada, 2000, Touriga Nacional 100%;
- Quinta da Pellada, 2000, Tinta Roriz 100%;
- Quinta da Pellada, 2000, Estágio Prolongado;
- Carrossel, 2003.




Foi toda uma torrente de emoções ao provar e beber tantos e tão diversos vinhos. Indiscutivelmente que o início do jantar com o branco primus pellada 2007, foi muito interessante, pela frescura e mineralidade do vinho.
Nos tintos brilharam o Saes (Estágio Prolongado) de 2007 com uma excelente RQP e o grande Pape 2007 ainda muito jovem e algo fechado, mas a revelar ser um grande vinho. Depois foi interessante provar os Saes, tintos, 2002 e 2001 que, sem brilharem, ainda revelaram alguma juventude digna de registo. Posteriormente, abriram-se o touriga nacional 100% e o tinta roriz 100% a revelarem ser uns vinhos interessantes que, sem deslumbrar, mostraram acidez e estrutura bem interessantes para vinhos com dez anos. Todavia, os 'reis da noite' acabariam por ser o inevitável Estágio Prolongado 2000 que realmente, para um vinho com dez anos, tem um nariz, uma frescura, acidez e estrutura fantásticas e um Carrossel 2003 que é realmente um grande vinho, absolutamente elegante e com um final interminável!

Bela experiência!

Da Feijoada | Dona Maria 2007

As feijoadas da nossa tradição, duma forma muito simples, andam entre as transmontanas, feitas com extremidades (rabo, orelha e pés) e enchidos de porco e as estremenhas, apenas com enchidos mas com outros complementos (como feijão verde e ovos escalfados). Conceptualmente próximas dos ranchos minhoto e beirão, têm na sua génese o uso de feijão e carnes previamente cozidos que estufam ligeiramente num refogado de cebola e alho e a que se adicionam os caldos de cozedura das carnes e do feijão. Pela sua riqueza calórica, não é de estranhar que sejam tradicionalmente consumidas no Domingo Gordo ou na terça feira de Carnaval, antecedendo o período da Quaresma.
Serão sempre um prato de festa, a celebrar a abundância (e onde se provam muitas vezes os primeiros fumados do ano) e a preparar para um período de quarenta dias de abstinência...

Contudo e apesar de ser um prato da nossa tradição, dificilmente este se poderá considerar um prato que deverá ser executado de uma forma precisa e canónica para resultar. Com efeito, alguma perda de importância do conceito de tradição, tempo/época do ano e mesmo de alteração de modos de vida leva a que a feijoada possa ser láitizada (tradução livre do inglês - light) desde que não se perca de vista a feijoada original. Será um bocado diferente fazer uma feijoada com menos partes gordas do porco do que tirar metade dos ovos ao pudim do Abade de Priscos...

Isto tudo para falar numa combinação que não aparece naturalmente nas nossas feijoadas tradicionais e que me agrada muito: a junção de um molho de grelos à feijoada. Com efeito, os grelos, com o seu sabor marcadamente ácido, cortam muito bem a gordura em excesso, tornando o prato muito mais fácil de encarar. No resto, a minha feijoada é de base transmontana, mas sem o belo do arroz de forno a acompanhar, que prefiro substituir por uma fatia de boa broa de milho. 

  

A feijoada levou orelha de porco, entrecosto, chispe e chouriço de carne. Deixei as carnes em sal duarnte cerca de doze horas e depois demolhei-as outras doze. Meti-as a cozer em água com um pouco de sal e uma folha de louro. Fui retirando a espuma que se formava à superfície. Quando as carnes estavam quase cozidas, juntei o chouriço. Entretanto, piquei uma cebola grosseiramente, esmaguei uns dentes de alho e levei a lume esperto com um fundo de azeite num tacho de fundo grosso. Quando a cebola estava translúcida juntei a carne partida em pedaços e o chouriço em rodelas e deixei envolver na gordura por uns minutos. Juntei então o feijão vermelho com a sua água de cozedura e um pouco do caldo de cozer as carnes. Adicionei os nabos, envolvi tudo, temperei com um pouco de pimenta, rectifiquei o sal e deixei em lume muito brando até harmonizar sabores e engrossar o molho. Este é um prato que, tal como a chanfana é melhor depois de reaquecido. Servi com broa e um vinho que andava já há algum tempo para provar, o Dona Maria Tinto 2007.
   



 
Um tinto de Julio Tassara de Bastos feito na Quinta do Carmo. Depois de 130 anos a produzir vinho na quinta, foi apenas em 1988 que se começaram a comercializar os rótulos Quinta do Carmo (o primeiro terá sido o Garrafeira 1985). Em 1992, metade da Sociedade Agrícola da Quinta do Carmo é vendida aos  Domaines Barons de Rothschild (Lafite), a adega da quinta é desactivada e a sede da Sociedade transferida para a Herdade das Carvalhas. Foi já no início deste século que Julio Bastos vendeu a sua participação na Sociedade Agrícola da Quinta do Carmo e volta à sua Quinta (do Carmo, mas com o nome do vinho já registado, daí o uso do nome Dona Maria), reabilita a adega, mantendo contudo os lagares de marmore ao mesmo tempo que compra novas propriedades. Em 2003 faz a sua primeira vindima e desde então tem-se vindo a afirmar no panorama português, tendo sido distinguido este ano com o prémio produtor do ano pela Revista de Vinhos.      

Foi com alguma expectativa que provei este vinho de 2007 feito com Aragonês, Cabernet Sauvignon, Alicante Bouschet e Syrah. Tem tudo o que se espera de um vinho de Extremoz deste preço (cerca de € 8,00). Fruta bem madura, notas de chocolate, boa amplitude de boca, um final longo e agradável. É algo guloso, mas isso nem será defeito. Ao preço, é um belo vinho...  

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

3ª Trilogia 3ª - Escort Chestnut ou 3 Ingredientes e 3 Gorduras ou Um Bife em Lisboa no Final do Séc. XIX se não tivéssemos chegado à América | Vila dos Gamas Antão Vaz 2009

Estas trilogias das quartas feiras feitas em parceria com a Ana e o Luís têm dado resultados muito interessantes. Antes de mais, provam que três pessoas diferentes com três leituras diferentes do acto de cozinhar podem conseguir resultados muito próximos em termos da qualidade final do que se tem proposto. O tema desta terceira trilogia foi sugerido por mim e não seria fácil de tratar: a castanha...
Com efeito, as castanhas reinaram nas nossas cozinhas até à generalização da batata e o nosso receituário tradicional nem sequer é muito rico, como melhor refere Virgílio Gomes aqui. Mas não seria por isso que iria deixar de propôr o uso da castanha como acompanhamento de carnes - a escort chestnut - para as realizações culinárias dos meus compagnons de route...     
Como era a terceira trilogia, resolvi limitar o uso dos ingredientes a três, preparados com três gorduras diferentes, numa postura quase ascética de quem teve muito pouco tempo para preparar o prato (derivado à torção dum pé, o que em algumas circunstâncias é muito desagradável, digo eu a saber, que isto de usar uma muleta num braço enquanto se cozinha é tudo menos agradável) mas que mesmo assim, não quis perder o comboio destas noites de quarta feira.

Na quase impossibilidade de conceber algo com alguma complexidade, limitei-me a imaginar o que seria uma ida a um café/cervejaria/restaurante da capital em meados do século XIX, mas num contexto diferente. Não se tinha chegado às Américas e não tinhamos batatas. A castanha continuava a ser acompanhante de luxo e num qualquer suposto estabelecimento seria confitada em manteiga, dentro dum forno que até as deixava tostar por fora sem perderem a untuosidade acrescida pelo contacto com a manteiga. O bife afinal era uma costeleta, fantástica, (equivalente às do PD, que é bem capaz de ser a melhor cadeia para comprar carne bovina, como já há três anos referia o Avental) mas com um toque de banha de porco a untar o grelhador. Para os bronzes, a rúcola selvagem, com azeite e flor de sal de Tavira. E assim se foi compondo o prato, que acabou por ver uma regra de três a ser quebrada com a inclusão de três finos gomos de maçã - três que afinal foram a excepção que confirmou a regra... 



As castanhas ficaram macias e mais que amanteigadas e desta vez tive o cuidado de deixar a costeleta passar do tom rosado, para um muito mais aceitável e unânime (acho que nem a Ana vai reclamar).

Para acompanhar esta pseudo refeição de há uns anos num qualquer café de Lisboa escolhi um vinho barato e que há alguns anos gozava de um estatuto que foi perdendo a favor de outros vinhos mais elaborados. Falo dum Antão Vaz da Vidigueira que aparece cheio de citrinos, untuoso e com estrutura para acompanhar este prato. Ao preço a que é vendido (€ 2, 89) é bem capaz de ser uma das melhores RQP do mercado (a par com o Quinta da Alorna que provei aqui).

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Carne de Alguidar | Adega de Pegões Tinto Colheita Seleccionada 2007

Este é um daqueles pratos que, sendo muito fácil de fazer, se revela uma muito agradável surpresa no prato. A carne fica macia e deliciosa, uma tentação. Corta-se um naco de porco (perna) em pedaços pequenos, como se fosse para rojões. Junta-se uma folha de louro, um pouco de massa de pimentão, alhos esmagados e picados e um pouco de vinho branco. Deixa-se a repousar num alguidar (melhor se dentro dum tamparuére com tampa, dentro do frigorífico) e vai-se mexendo. O tempo de repouso será a gosto, algo entre duas horas e dois dias ou mais (irá depender da paciencia e da seriedade com que se levam estas coisas da cozinha). Depois é fritar em banha de porco e servir... Com batatas fritas ou com batatas e brócolos cozidos.     

Para acompanhar esta carne escolhi o Adega de Pegões colheita seleccionada tinto de 2007. É um vinho que estranhamente não é tão falado como devia. Bem feito, sem arestas e com um preço apetecível, ainda por cima fácil de encontrar... Porque será que não roda mais nas prateleiras do supermercado? Por ter um preço um pouco acima da barreira psicológica dos € 4,00? Por não vir do Douro ou do Alentejo? Será um pouco isso e mais algumas coisas, talvez...

Este vinho do Eng. Jaime Quendera é feito sem Castelão. Leva Touriga Nacional, Trincadeira, Cabernet Sauvignon e Syrah. Fácil de beber, equilibrado nas subtis notas florais e de fruto vermelho bem casadas com a madeira. E baixou o preço, agora custa € 4,99 @ PD (custava € 5,99), o que o torna ainda mais apetecível. 

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Posta Mirandesa e revisita ao Corpus 2007

A posta mirandesa não será porventura o maior ícone da cozinha tradicional transmontana. A sua origem é relativamente recente na forma como a conhecemos (meados do século passado?) e a sua criação é atribuida a uma senhora de Sendim, a Ti Gabrila, que a servia nas feiras em nacos sobre pão. Na CTP de Maria de Lourdes Modesto aparecem apenas duas referências a vitela no espeto e que serão diferentes da posta. Assim, das feiras ao restaurante A Gabriela, em Sendim, a posta ter-se-à difundido e hoje há sítios, como o Lareira, em Mogadouro, o Abel, em Gimonde ou o Artur em Carviçais que são pontos de paragem quase obrigatória para degustar uma posta.
A sua área geográfica de produção com direito a denominação de origem (DO) é limitada às freguesias dos concelhos de Bragança, Macedo de Cavaleiros, Miranda do Douro, Mogadouro, Vimioso e Vinhais, pelo que facilmente se percebe que é daquelas comidas a degustar in situ, não tanto pela complexidade da sua execução, mas pela qualidade única da carne, resultado da raça e das condições excepcionais de solos, coberto vegetal e clima do planalto mirandês (informação mais detalhada aqui).


Efectivamente a carne mirandesa não precisa de nada para brilhar. Brasas e sal. Não havendo brasas, o mal menor será um grelhador untado com um pouco de azeite, onde se sela a peça alta (dois dedos e cerca de 300 g) em lume esperto que depois se baixa para a peça "cozer" sem queimar. O acompanhamento será sempre algo a gosto... Batatas fritas ou assadas a murro e a componente verde, uns grelos salteados ou um esparregado de nabiças e pouco mais...


Esta posta foi o mote para revisitar o Corpus 2007, que tinha provado há pouco menos de um ano (aqui). Passado este tempo, o vinho está quase na mesma, mantém toda a fruta, estará ainda a crescer em garrafa e a pedir para ser bebido outra vez daqui a um ano. Belo vinho! 

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Trilogia 2 | Variações sobre uma Açorda de Bacalhau | Encruzado de Cabriz 2009



O número 2 da trilogia às quartas foi sugerido pelo Luís. Açorda de Bacalhau. Assim, sem mais. Como açordas de várias cores e feitios não faltam por aqui, teria que fazer uma preparação que, sem perder de vista o espírito da coisa, pudesse acrescentar algo com um mínimo de interesse.


Comecei por inverter a lógica da açorda, aromatizando o azeite em vez da água e confitei o bacalhau. Completamente imerso em azeite virgem extra, lá foi a fogo lento, tentando não passar os 50º C. "E porquê 50º? Tudo tem a sua técnica, até mesmo base científica. É a temperatura a que, com tempo, coagulam as proteínas do peixe sem se fundir o colagénio, isto é o componente gelatinoso, aquele que, na fervura, passa do peixe para o caldo. Ou que, ao lascar o bacalhau, nos deixa as mãos pegajosas mas a saber muito bem". Citação do Prof. JVC, retirada daqui). Ao fim de uma hora e depois de ligar e desligar a placa uma série de vezes, o bacalhau estava com bom aspecto. Entretanto, usei parte do azeite aromatizado para fazer a açorda. Tacho de fundo grosso, uns dentes de alho esmagados e cortados aromatizaram mais um pouco o azeite. Foi aí que juntei pão (não pão alentejano já com uns dias, mas regueifa do dia cortada em fatias finas) demolhado em água quente (claro que podia/devia ter cozido um rabo de bacalhau e aproveitar a água e o bacalhau para incorporar na açorda, mas perdia-se a piada da subversão da receita. Contudo, numa próxima vez irei experimentar) e fui mexendo até obter uma papa homogénea. Juntei coentros frescos picados e reservei. Para completar o prato, cozi uns grelos para acamar o bacalhau. Servi assim, sem mais nada que não fosse o azeite aromatizado e umas suas mamãs azeitonas... 


O Bacalhau ficou no ponto certo, firme e a lascar, como se gosta. A açorda ficou muito boa. Gostei muito do efeito do prato, mas senti que faltava alguma cor, que teria sido bem dada se tivesse confitado umas tiras de pimento vermelho e que, sendo uma falha, será corrigida numa próxima edição do prato. De notar que os ingredientes utilizados foram poucos. Água, azeite, alho, bacalhau, pão, grelos e coentros, sem mais nada para além dum pouco de sal marinho na cozedura dos grelos e na verdade não precisou de mais nada. Finda esta Trilogia, irei ver o que a Ana e o Luís fizeram, mas antes, direi algo sobre o vinho que escolhi para acompanhar este prato...


Como já tinha referido anteriormente (aqui), o Encruzado de Cabriz é um dos encruzados do Dão e mesmo um dos vinhos brancos com melhor relação qualidade/preço do mercado. 100% Encruzado, metade estagia em inox e a outra metade em madeira. Fino e delicado, mas com um bom corpo e muito boa aptidão gastronómica, é um vinho que se bebe com prazer. Custa cerca de € 6,00.  



terça-feira, 16 de novembro de 2010

The Pudding Has Been Drinking | Pudim de Moscatel de Setúbal

O título é uma apropriação parva do nome de uma das canções da minha vida, a fabulosa "the piano has been drinking", do Tom Waits, feita nos idos de 1976. Apenas o usei porque um pudim em ternário resolveu beber quase meia garrafa de vinho, ao contrário de um qualquer seu irmão quaternário que se ficaria por duas latinhas de leite e a minha carpete precisava de aparar o pelo. Para se perceber a estória do ternário e quaternário, o melhor é ver o blogue do Luís, que publicou um Pudim de Leite Condensado que foi o mote para este pudim de leite condensado e moscatel da casa Ermelinda de Freitas. Quanto à necessidade da minha carpete ir ao cabeleireiro, o melhor é ler a letra da musica, but without fear of contradiction I say the pudding has been drinking...


Quanto à receita, é de uma simplicidade desarmante. Uma lata de leite condensado, uma outra medida da lata com ovos (5 ovos calibre L) e ainda outra medida da lata de moscatel (mais 17,5% para suprir o álcool que iria evaporar), o terceiro tempo do compasso ternário. Usei o moscatel de setúbal da casa Ermelinda de Freitas porque é interessante e sobretudo, barato (custa menos de cinco Euros cada garrafa). Tenho para mim que qualquer vinho que se use em preparações culinárias deverá ser um vinho sem defeitos, mas também me parece que as preparações pouco ou nada ganharão se se usarem vinhos mais complexos e naturalmente, muito mais caros (acerca deste tema, como não sei nada, até era interessante pedir opinião aos leitores, digo eu sem saber).

Bati o leite condensado com os ovos, deixei a repousar por um bocado e envolvi o moscatel na mistura. Deitei numa forma "untada" com caramelo (líquido, my fault) e levei ao forno a 150º C sobre um banho maria de tabuleiro de barro e com a forma coberta por folha de alumínio (just in case, já que não estava para acampar em frente ao forno). Ao fim de uma hora o pudim ainda estava crú, o que se terá devido à inércia térmica do tabuleiro, pelo que deixei mais meia hora, tempo suficiente para o pudim estar a gosto. Retirei do forno e deitei a forma sobre banho maria de água fria e depois no frigorífico. Quando o pudim estava frio, desenformei e servi.


Acompanhei com o vinho do pudim, um moscatel honesto e simpático a que faltará porventura alguma acidez, precisando de ser bebido bem fresco. Ainda assim, é fresco e guloso, uma bela companhia para este excelente pudim.


Almondegas de Touro Bravo

Apenas uma curiosidade... Há algum tempo atrás tinha experimentado fazer uma jardineira com esta carne e não tinha achado nada de especial. Ainda assim, resolvi comprar uma embalagem de almondegas já preparadas e congeladas para experimentar. Deixei descongelar a carne e deitei um fundo de azeite e um pouco de banha de porco, alho esmagado e cebola picada num tacho de barro e deixei confitar a cebola. Juntei as almondegas e deixei-as na gordura quente durante uns minutos. Virei-as (com cuidado) e juntei pimenta preta em pó, uma folha de louro, polpa de tomate e um pouco de vinho tinto. Deixei em lume brando durante cerca de 40 minutos (quando o álcool evaporar todo, as almondegas estão prontas). Servi com esparguete cozido al dente e uma salada verde.

Estas almondegas não são más, mas também não são nada de especial. Na embalagem refere que levaram especiarias, sem contudo especificar (penso que levaram alho em pó, pimenta e sal). Agradáveis, nada duras, mas não me convenceram. Ao preço (caixa com 16 almondegas a € 4,99) não compensa... 

domingo, 14 de novembro de 2010

Creme de Alho Francês com Trio do Porco e Cogumelos

Para além das sopas normais, canónicas, como a canja ou o caldo verde, há todo um mundo de sopas a explorar e descobrir. Na verdade há sopas de todas as cores e feitios e medidas e perdoem-me todas as outras que ficaram esquecidas.

Esta é simples, sem história nem grande inspiração, mas pela bondade do resultado final merece divulgação. Comecei pelo trio do porco: entremeada salgada e demolhada, chouriço alentejano de porco preto e morcela de sangue que meti a cozer. Passado um bocado, juntei alho francês em rodelas e deixei a cozer. Retirei as carnes e reduzi o alho francês a creme. Cortei a entremeada em pedaços, os enchidos em rodelas e juntei ao creme. Juntei ainda uns cogumelos cortados em quatro (parecidos com os champignons de Paris, mas de casaca castanha, mais outonais) e uns bagos de arroz carolino. Deixei que o arroz cozesse, temperei com um pouco de sal e juntei coentros picados. Desliguei o lume e servi.

Apesar de ter sido feita com uma base de carne e enchidos e ter levado arroz (muito pouco) e cogumelos, a delicadeza do sabor do alho francês e a frescura dos coentros frescos compuseram uma sopa muito equilibrada.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Frango no Púcaro | Casa do Cadaval Pinot Noir 2007

Este frango é uma agradável variação sobre o frango na púcara da nossa tradição. Foi cortado em pedaços e deixado a marinar de um dia para o outro em azeite com um pouco de massa de pimentão, pimentão doce em pó, alho e um pouco de quase vinagre de vinho tinto (quase vinagre porque era vinho que resulta de sobras e que vou guardando em garrafas, sem a rolha - apenas protegidas por papel de cozinha - e que ainda não tinha completado o processo de transformação do álcool em ácido acético). Depois liguei o forno a 170º C e deitei o frango e o líquido da marinada num púcaro de barro preto. Juntei vinho branco a cobrir a carne e meti o púcaro no forno. Fui deixando que parte do molho evaporasse e fui virando a carne para que dourasse uniformemente e a carne ficasse macia. Acompanhei com batata e couve cozidas.    


O vinho escolhido para mariadar com este prato foi um Casa de Cadaval Pinot Noir de 2007. Este vinho, nas suas primeiras edições era feito por João Portugal Ramos e a colheita de 1994 foi notada por José António Salvador que a incluiu no seu guia dos melhores 100 vinhos do ano (em 1997). Treze anos volvidos, JPR já não é o responsável pelo vinho e não seria fácil ver este vinho citado num top 100 de vinhos portugueses. Aliás, nem sequer há muitos vinhos de Pinot Noir em Portugal, como se pode ver aqui. Este Pinot ribatejano era um vinho que já andava para provar há algum tempo. Não sendo um campeão na RQP (16 valores - JPM e RV. PVP a rondar os € 12,00), ainda assim tinha alguma curiosidade. Cor ruby muito aberta, cheio de aromas de frutos vermelhos (cerejas), pouco encorpado e com 14º de álcool. Pouco marcado pela madeira e muito guloso, pede para ser refrigerado e bebido entre os 14 e os 16º C. É muito fino e elegante e acompanhou bem o frango, mas será melhor com um bacalhau com grão e é melhor com as castanhas assadas que está a acompanhar agora, ou não fosse dia de São Martinho... 
      

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Leite Creme

O título podia perfeitamente ser: 3 leites cremes e um é meu, já que isto nasceu duma proposta feita à Ana e ao Luís para fazermos a mesma preparação culinária e publicarmos a dita no mesmo dia. Proposta aceite, a Ana sugeriu o leite creme e lá fomos fazer os nossos leites cremes, sem grande troca de ideias, antes preferindo que cada um apresentasse a sua abordagem a esta bela receita da nossa cozinha tradicional...

Eu fui directo ao assunto e fui ver o que Maria de Lourdes Modesto nos conta a pp 102 e 103 da sua Cozinha Tradicional Portuguesa. Lembrei-me também de uma antiga troca de mail' s com a Profª Paulina Mata da FCTUNL, que me tinha enviado um trabalho académico onde bem se explica como funciona esta coisa do leite creme e que está disponível online (aqui).
Claro que não resisti a googlar; apesar de ser divertido, às vezes quase dá vontade de chorar ao ver a forma pouco séria como as pessoas se apropriam de nomes de receitas e fazem outra coisa assim a modos que parecida com as alterações que bem entendem sem ter noção de que para tocar viola é preciso ter unhas, ou, dito de outro modo, para fazer uma farinheira à Brás que seja credível, é preciso, no mínimo saber cozinhar (mesmo a de José Avillez podia chamar-se Brás de Farinheira e creio que terá sido o nome original, talvez alterado para edição no livro, mas isto já é muito à margem do leite creme).

Para fazer este leite creme retive, para além dos ingredientes e respectivas proporções, duas coisas básicas: O leite creme chama-se leite creme porque é um creme e a mistura não pode ferver, já que acima dos 80 e qualquer coisa graus é bem capaz de acontecer algo estranho, algo parecido com o que aconteceu ao DeLorean do Dr. Emmett Brown no Regresso ao Futuro

Fervi meio litro de leite com um pouco de casca de limão (apesar da canela ser muito usada, não consta na receita tradicional da Beira Alta, pelo que ficou de lado). Num tacho misturei cinco gemas de ovo, cinco colheres de sopa de açúcar e uma colher de sopa rasa de maizena (amido de milho, mas está registada assim, é um monopólio). Quando a mistura estava bem homogénea e fofa (transcrito do original de MLM) juntei o leite a pouco e pouco enquanto liguei o lume. Fui sempre mexendo até o creme espessar um pouco. Desliguei o lume e verti o leite creme em taças, sem passar por um passador, como deveria, nem ter enfiado as taças em gelo para mais rapidamente arrefecerem. Deixei arrefecer e não polvilhei com açúcar nem queimei com um ferro como seria de esperar. O leite creme da Ana foi queimado com um ferro eléctrico e o Luís usou o maçarico no dele, para colmatar esta minha falha. De resto, deu-me muito prazer revisitar esta deliciosa sobremesa. Agora vou ver o que os meus compagnons de route fizeram...   

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Bacalhau à Zé do Pipo | Muros de Melgaço 2009

O Bacalhau à Zé do Pipo é um prato da Tradição do Porto e tal como o seu primo à Braz, é objecto de imensa confusão e disparate por essa blogosfera fora. E sem necessidade nenhuma, afinal a receita está na Cozinha Tradicional Portuguesa, de Maria de Lourdes Modesto. Está lá, não é preciso inventar. E é assim:

Ingredientes:

lombo de bacalhau, cebolas, leite, azeite, louro, sal e pimenta, maionese, batatas em puré, azeitonas pretas.

Preparação:

Depois de demolhado, corta-se o bacalhau em pedaços e leva-se a cozer em leite. Entretanto, cortam-se as cebolas em rodelas finas e levam-se a estalar com o azeite, o louro, sal e pimenta e um pouco de leite de cozer o bacalhau. A cebola deve ficar branca e macia e nunca loura. Depois de cozido, escorre-se o bacalhau e coloca-se num recipiente de barro. Deita-se a cebola sobre as postas de bacalhau, que depois se cobrem completamente com a maionese. Contorna-se com o puré de batata (feito com um pouco do azeite onde se confitaram as cebolas ou manteiga, leite e um ar de noz moscada) e leva-se a gratinar. Enfeita-se com azeitonas pretas.



Este prato foi feito para acompanhar o Muros Antigos 2009, um distinto Alvarinho de Anselmo Mendes. O Muros Antigos é bem capaz de ser o Alvarinho mais bem vestido do mercado, com uma bela garrafa tronco-cónica a querer dizer que o vinho é coisa séria. E realmente, se não se contar com o vinho que tem o nome do Enólogo (também chamado de Curtimenta) e que custa quase o dobro, é. Para além do vinho ser muito bom, aquela garrafa fica bem em qualquer mesa. É um grande Alvarinho e um dos meus brancos de referência, mas achei que é capaz de não estar ao nível da colheita anterior e que precisa de algum tempo em garrafa. O preço, esse varia entre os € 11,90 (na Garrafeira Tio Pepe) e os mais de € 15,00 em alguns sítios.  

Just Scones

Até ontem de manhã a probabilidade de uma receita de scones aparecer aqui no blogue era mais que remota. Foi preciso o Luís, do blogue Outras Comidas ter apresentado uns scones com aspecto tentador para que eu metesse as mãos na massa e os fizesse. Desarmantemente simples de fazer, são uma delícia. Segui a receita sem inventar e servi-os com manteiga da Quinta das Marinhas e um chá verde.  

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Lombo de Porco Marinado Assado no Forno | Quinta do Vallado Reserva 2007

Os assados de porco por aqui são mais que recorrentes e continuam a ser uma das comidas preferidas quando quero provar um bom vinho tinto. Como o é o Quinta do Vallado Reserva 2007, notado com uns admiráveis 96/100 pontos pela Wine Spectator e de que aqui se dá melhor nota, apesar de ter levado apenas 16,5/20 do JPM. Polémico? Não... 

Quanto ao lombo de porco, a peça escolhida para este assado, não será a minha preferida, ainda que aqui estivesse com osso. Mas como queria fazer uma longa marinada, pareceu adequada.

Pedi uma peça de lombo de porco com osso que pesava pouco mais de um quilo. Deixei-a a marinar em vinho branco (JP, da Bacalhoa e uma garrafa inteira), alho, uma folha de louro, pimenta preta, pimentão doce, sal marinho e azeite dentro de uma embalagem de plástico com tampa (vulgo tamparuére) durante quase 48 horas no frigorífico, tendo o cuidado de ir virando a carne. Após esta longa marinada depositei a peça num tabuleiro de barro, juntei batatas descascadas e cortadas a meio e o líquido da marinada, que ficou a quase cobrir as batatas. Muito molho de início, propositado, para que as batatas cozessem (antes de dourar) e melhor apanhassem o gosto da vinha de alhos. Levei a forno muito esperto (quase Einstein, ou seja uns 230º C) com uma folha de alumínio a cobrir a carne durante uma hora. Depois desliguei o forno e deixei a carne, as batatas e o molho em amena cavaqueira durante umas três horas. Voltei a ligar o forno, desta vez a 170º C e fui virando carne e batatas e regando com o molho durante cerca de duas horas até a carne apresentar uma crosta dourada e as batatas ficarem também douradas. Servi, com espargos escalfados e salteados em azeite.

O lombo, depois do tempo de marinação, absorveu medianamente o sabor dos "temperos", as batatas ficaram suculentamente saborosas por dentro e deliciosamente louras por fora e os espargos (recentemente chegados do Perú, aterraram no PD) cumpriram, sápidos qb.   


Quanto ao vinho, é, sem dúvida, já um clássico do que o Douro tem de bom para oferecer. Provei algumas colheitas deste Reserva feito pelo Francisco Xito Olazabal e sempre o achei muito bem feito, muito afinado, muito fácil de gostar. Este 2007, apesar dos 96 pontos da WS estava fechado nos aromas e com a barrica ainda muito presente, como referiu JPM no seu guia de Vinhos de Portugal 2010. Passado mais de um ano, continua algo fechado, a barrica impõe-se menos e todo o vinho é muito bem arquitectado e acabado. Para os indefectíveis (como eu) das bombas de fruta, parece que o 2008 já está no mercado; para os outros, é um belo vinho e então se se conseguir comprar a € 19,90 (Jumbo do Parque Nascente) é de aproveitar...    



quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Migas de Batata com Bacalhau e Espargos | Castello d' Alba Vinhas Velhas Códega do Larinho 2009

Creio que às mil e uma receitas de bacalhau seria de bom tom juntar todas as outras que se fazem com sobras, cujo melhor exemplo será eventualmente a chamada Roupa Velha (que raio de nome...) e que, mesmo a despachar, podem dar coisas muito apetecíveis, como esta preparação que ensaiei. De coisas pré-preparadas, tinha batatas e bacalhau cozidos. Depois foi só ceder à tentação de fazer uns bolinhos ou uma tortilha, trocando ovos por espargos frescos e indo à cata de preparações como as migas de batata da tradição alentejana ou as migas gatas de bacalhau com espargos do Restaurante Tomba Lobos de José Júlio Vintém, em Portalegre. 

Comecei por partir alguns espargos em pedaços pequenos (enquanto partirem, aproveitam-se) que escalfei e reservei. Cortei as batatas em fatias finas e limpei o bacalhau de peles e espinhas. Depois deitei um fundo de azeite num tacho e juntei dois dentes de alho esmagados. Em lume brando, deixei o alho aromatizar o azeite e juntei as batatas e o bacalhau em lascas. Fui mexendo com uma colher de pau até obter uma papa quasi homogénea. Juntei os espargos, temperei com um pouco de pimenta preta e envolvi tudo. Desliguei o lume e deixei algum tempo antes de servir. Já no prato, juntei umas azeitonas pretas.    


O vinho que deu o mote para este prato tão simples quanto saboroso foi o Castello d' Alba vinhas velhas 2009. Feito com uvas de Códega do Larinho provenientes de vinhas velhas plantadas a 550m de altitude no Douro Superior e fermentado em madeira. É um vinho que não provava há uns anos, mas depois de ter bebido o Reserva há pouco tempo (como tinha dado nota aqui) tinha que o provar, uma vez que sempre o achei um dos bons brancos do Douro, com a vantagem de ser proposto a um preço cordato (€ 10,50 na Garrafeira Tio Pepe). Suave apontamento da tosta, muito equilíbrio entre o lado vegetal, cítrico e tropical dos aromas, mineral, profundo. Um vinho que consegue brilhar a solo e ter uma boa aptidão para a mesa. Já era fã e continuo fã. Belo vinho...        

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Entrecosto de Porco Preto Estufado com Legumes

Este é um estufado que se quis liberto de pressões, de googlanços, de consultas aos livros, da compra de qualquer ingrediente expressamente para a sua elaboração e até da escolha prévia de um vinho para a mariadagem. O ponto de partida foi uma peça de cachaço de porco preto (na verdade eram duas, que isto de vender o porquito congelado em caixas todas XPTO e com preços a condizer, tem muito que se lhe diga. Ao preço que pedem, bem que podiam vender peças únicas, mas parece que o meio quilo tem que ser calibrado e então lá vem mais um bocado para compor o peso. É por essas e por outras que só compro as ditas embalagens quando estão com 60% de desconto e mesmo assim sinto-me meio defraudado).

Cortei o entrecosto em pedaços e deixei a marinar com um pouco de massa de pimentão, alho, sal, vinho tinto, um fio de azeite (pouco, que o entrecosto tem muita gordura), pimenta preta e cebola, alho francês, pimento vermelho e cenoura em rodelas durante umas horas. Depois foi só deitar tudo num tacho de barro e deixar estufar em lume muito brando. Mais simples que isto é quase impossível. Quando o entrecosto estava bem macio, foi só servir com batatas cozidas.